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quinta-feira, 25 de março de 2010

III Café com Debate

O Coletivo em Movimento, a Oposição Operária - OPOP e a Corrente Comunista Internacional - CCI convidam você para participar do III Café com DEbate.

27 de março,
às 1500h
DEbae com os temas:
Período de Transisçao (CCI)
Ditadura do Proletariado e Conselhos Operários (OPOP)
Trabalho Associado e Revolução Proletária (Ivo Tonet)

Local: Casa Memorial Régis Pacheco, Pça Tancredo Neves, 19i, Centro (ao lado da Catedral)

às 19:00h
Lançamento do livto de Ivo Tonet: "Descaminos da Esquerda: da centralidade do trabalho à centralidade da política" e da Revista da Oposição Operária: Germinal, vol 2

Local: Viela- SEbo Café - Rua Siqueira Campos, 350 - Recreio

Curso de Formação Política

I Labuta:
Emancipação Política x Emancipação Humana
Com Ivo Tonet (UFAL)
Dia 26/03 às 15:00h e 19:00h
Na Casa Memorial Régis Pacheco - Praça Tancredo Neves, 191. Centro (ao Lado da Catedral)

terça-feira, 23 de março de 2010

CONVITE PARA PALESTRA

PALESTRA: Marxismo e Teoria das Classes Sociais


Marxismo e Teoria das Classes Sociais é o tema da palestra de abertura dos Seminários do LHIST (Laboratório de História Social do Trabalho), a se realizar na próxima quinta feira, 25 de março. A palestra será ministrada pelo Prof. Dr. Cristiano Lima Ferraz (DH/Uesb) a partir das 17h30 , na sala 04 do módulo I de aulas, no campus da Uesb de Vitória da Conquista. A participação é aberta ao público e serão conferidos certificados pela presença. Maiores informações poderão ser obtidas na Secretaria do Laboratório de História Social do Trabalho pelo telefone 34248697, no turno matutino, ou pelos e-mails lhist.uesb@yahoo.com.br / lhist.uesb@gmail.com

segunda-feira, 22 de março de 2010

Contribuição ao entendimento do método da economia política, por Germer

Contribuição ao entendimento do método da economia política, segundo Marx

Claus Magno Germer

Introdução

O método de Marx constitui um tema de relevância especial para o desenvolvimento da teoria marxista. Não me refiro ao caráter genérico da relevância do método como momento essencial de toda pesquisa científica, que é óbvio, mas ao caráter específico da sua relevância no marxismo atualmente, devido às consequências, sobre a pesquisa marxista, da acentuada diferença da base filosófica do marxismo em relação à base filosófica geral da ciência burguesa . A base filosófica do marxismo é o materialismo, entendido como corrente da filosofia, e o seu método básico é a lógica dialética. O materialismo filosófico distingue-se do idealismo, que constitui a base filosófica da ciência burguesa, e a lógica dialética distingue-se, nos mesmos termos, da lógica formal . Dado o domínio absoluto do idealismo e da lógica formal no establishment científico burguês, e não só nele, pois se projeta nos modos de pensar do senso comum em geral, e dada a inferioridade do materialismo e da representação marxista nestes meios, compreende-se não só a dificuldade de apreensão das particularidades da filosofia e do método marxistas, mas também a possibilidade da sua apreensão distorcida pela influência dominante do pensamento burguês .

A deficiente apreensão do método teórico de Marx, reconhecida pelos próprios autores marxistas, reflete-se, em primeiro lugar, em deficiências metodológicas na sua produção teórica, e adicionalmente na pequena freqüência de textos que abordam os problemas do método . Na literatura econômica brasileira, em que a produção de base marxista comparece modestamente, esta insuficiência é obviamente mais acentuada . Uma das causas da insuficiência apontada é, evidentemente, o insuficiente aprofundamento da discussão do tema, em confronto com a sua complexidade e com a variedade de aspectos relevantes e ângulos de análise que comporta. Dada esta complexidade, um artigo sobre o tema deve limitar-se ou a um levantamento sumário dos seus aspectos mais relevantes, que seria necessariamente superficial, ou a uma abordagem algo mais detalhada de um aspecto ou ângulo de análise. O presente artigo é do segundo tipo, tendo como objetivo principal a discussão do significado e da relevância dos conceitos de ‘concreto’ e ‘abstrato’ no método de Marx, aplicados à economia política.

Embora o método de Marx tenha constituído tema de estudos anteriores, impostos pelas próprias necessidades da atividade de pesquisa, o presente artigo constitui a primeira tentativa de elaboração própria sobre o tema. Por esta razão - mas não só por ela, mas também pela limitação da forma artigo -, a cobertura do tema não é completa, não tendo sido possível, por exemplo, explorar em toda a extensão os textos citados. Também ficaram sem aprofundar - ou foram apenas mencionados - diversos aspectos importantes do método de Marx e suas implicações, como por exemplo a dialética e o sentido do polêmico caráter lógico-histórico, entre outros. Também não pude incluir referências a passagens metodológicas importantes presentes em outras obras de Marx, com destaque para o próprio O Capital e Teorias da Mais-Valia, bem como obras essenciais de Engels e de outros autores marxistas. Por prudência e por método, o presente artigo explora basicamente os textos metodológicos iniciais de Marx (e Engels). Por outro lado, o enfoque do presente texto apresenta uma das unilateralidades comumente presentes em textos que abordam problemas de método. É que, segundo se lê, eles são geralmente escritos ou por filósofos com pouca experiência em pesquisa, ou por pesquisadores com pouca formação filosófica, sendo este último o caso do presente texto. Em ambos os tipos de textos deve-se esperar que a deficiência em um aspecto seja compensada por um mínimo de suficiência no outro.

Uma das causas da complexidade geralmente atribuída á abordagem do método de Marx, além da complexidade intrínseca ao tema, é o fato de Marx não ter redigido um texto em que explicitasse de modo completo e inequívoco o seu método. Dizer isto implica que o seu texto, que traz este título - MEP -, é insuficiente como exposição do seu método, o que é um fato. É possível, porém, que uma causa das dificuldades alegadas consista em uma controvérsia entre os estudiosos de Marx, que se refere à medida em que se pode admitir uma continuidade ou ruptura na evolução do pensamento de Marx, a partir dos seus primeiros escritos do início dos anos 1840. Uma polêmica sobre isto foi desencadeada com a publicação, nos anos 1960, dos Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844 (MEF). Todavia, Marx redigiu diversos textos de natureza eminentemente filosófica e metodológica no início da sua atividade, como se indicará no presente artigo -, não havendo razão para particularizar os MEF -, e a sua sequência parece constituir uma exposição bastante satisfatória e clara dos princípios filosóficos e metodológicos sobre cuja base erigiu a sua obra teórica nos anos seguintes. A análise desta sequência de textos fornece argumentos significativos no sentido da existência de uma continuidade essencial da obra de Marx com base nos princípios metodológicos a cuja definição se dedicou no início da sua carreira. Mais do que isto, estes textos, tomados em conjuntos, fornecem uma exposição bastante completa dos aspectos essenciais do seu método. Uma afirmação de Marx, presente no prefácio da Contribuição à crítica da economia política, publicada em 1859, é significativa como confirmação desta continuidade. Nesta passagem Marx relata o resultado dos seus estudos metodológicos, desde a crítica da filosofia do direito de Hegel até os textos produzidos em Bruxelas - os importantes Teses sobre Feuerbach e A ideologia alemã -, dizendo que este resultado geral, “uma vez obtido, serviu como fio condutor dos meus estudos” (CEP, p. 135/100). É significativo o fato de Marx fazer tal afirmação em 1859, ou seja, quase 15 anos após os estudos aos quais se refere, e quando já havia formulado o primeiro esboço geral do O Capital, representado pelos Grundrisse.

A sequência cronológica dos textos mostra que os escritos metodológicos mais importantes de Marx, nos anos 40, que são a IA, as TF, a SF e MF, nesta ordem, foram escritos após dois textos iniciais em que Marx se definiu sobre dois aspectos fundamentais do seu método. Estes textos são a Contribuíção à crítica da filosofia do direito de Hegel e os Manuscritos econômico-filosóficos. No primeiro texto Marx situou-se claramente no terreno filosófico do materialismo, com base na crítica do idealismo extremado de Hegel . Nos MEF Marx fez a primeira incursão na crítica da Economia Política, tal como expressa principalmente nas obras de Smith e Ricardo. E assinala que fez a crítica com base nos termos e conceitos da própria economia política, mas adotando como eixo da análise a contradição entre propriedade privada e trabalho. Marx conclui que a economia política, apesar de erigir o trabalho em fonte do valor, em sua análise toma inteiramente o partido da propriedade privada. Esclarece também que o trabalho focalizado pela economia clássica não é o trabalho em geral, mas o trabalho alienado, isto é, o trabalho submetido ao capital. O procedimento de Marx foi de refazer a análise, utilizando os próprios conceitos da economia clássica, mas partindo do ponto de vista do trabalho, com o que coloca em evidência a contradição de interesses de classes localizada na base do capitalismo.

Nos textos seguintes Marx aprofundou a sua crítica ao idealismo e aperfeiçoou as suas concepções sobre o materialismo, inclusive graças a uma crítica rigorosa ao materialismo naturalista de Feuerbach, que foi o autor que lhe abriu o horizonte da crítica ao idealismo hegeliano. Os capítulos sobre o método, na SF e na MF, constituem esclarecimentos essenciais sobre as origens dos equívocos metodológicos do idealismo - especialmente sobre a aplicação da abstração como método - e sobre a forma de conceber o conhecimento da realidade de um ponto de vista materialista. Mas é na IA, o texto mais importante desta fase, do ponto de vista metodológico, que Marx e Engels procuram traçar as linhas gerais da sua própria concepção sobre o método geral de análise da evolução social, que se encontra no primeiro capítulo desta obra. Neste sentido é não apenas uma crítica da teoria do conhecimento idealista, mas constitui também a proposição dos pressupostos e implicações do enfoque materialista e dialético por eles postulado. Mas é somente 10 anos mais tarde, em 1857, que Marx elabora o importante MEP. Neste texto, embora não apareçam inovações conceituais, Marx faz uma sistematização do processo de elaboração teórica na economia, através da aplicação dos princípios da concepção filosófica materialista geral, desenvolvidos nos textos anteriores, acima mencionados.

O interesse, no presente texto, reside na exposição do método de Marx aplicado à economia. Embora este método constitua uma aplicação de princípios gerais a um campo particular de conhecimento, ao qual Marx chegou exatamente nesta ordem, isto é, dos princípios gerais à sua aplicação particular, parece-nos que esta ordem não é a mais apropriada à exposição do seu resultado. Neste texto se fará o percurso inverso, do método aplicado à economia aos princípios filosóficos gerais, de modo que estes serão expostos como justificação e fundamentação do método da economia.

O método de pesquisa adequado à economia ou a dialética abstrato/concreto

No MEP Marx formula um enunciado que constitui a síntese de todo o método proposto, como concepção materialista e dialética da realidade. Segundo esta afirmação, o processo do conhecimento, na economia, realiza-se em duas fases. A primeira fase começa com a população

e vai deste “concreto como representação a abstratos cada vez mais tênues, até chegar às determinações mais simples. Daí seria necessário retomar a viagem em sentido inverso [que é a segunda fase - CMG], até (...) chega[r] novamente à população, mas desta vez não como uma representação caótica de um todo, mas como uma rica totalidade de muitas determinações e relações” (MEP, p. 122/36, grifos acrescentados).

Em seguida acrescenta:

“O último [isto é, a viagem das abstrações ao concreto - CMG] é claramente o método cientificamente correto. O concreto é concreto porque é a síntese de muitas determinações, portanto unidade do diverso. Por isso ele aparece no pensamento como processo de síntese, como resultado, não como ponto de partida, embora constitua o ponto de partida real e por isso também o ponto de partida da intuição e da representação”.

Os termos abstrato e concreto, integrantes da terminologia própria da filosofia clássica alemã até Hegel, possuem significados diferentes em Hegel e em Marx, que é necessário esclarecer. Em uma primeira aproximação o abstrato designa um conceito, produto do chamado método da abstração, que consiste em extrair ou remover da realidade perceptível - como representação mental - uma parte ou aspecto específico (Inwood, p. 41). Este é o sentido em que Marx utiliza o termo. O abstrato é portanto um produto do pensamento, e consiste na representação mental de um elemento da realidade empírica, tal como esta se reflete de modo direto no pensamento. Neste sentido o abstrato constitui uma fase elementar do conhecimento mas não é o próprio conhecimento, pois este não se reduz à representação de um ou diversos aspectos isolados da realidade. O conhecimento consiste no concreto, isto é, na apreensão de um objeto de estudo como um conjunto de elementos interrelacionados dinamicamente (isto é, em movimento contínuo de transformação) de um modo definido, ou seja, consiste na interconexão e na lei de movimento do objeto .

No início do texto mencionado, Marx afirma que o método correto da economia, em uma primeira aproximação, parece consistir em começar do ‘real e concreto’, como a população de um país e sua distribuição quantitativa em classes, ou na cidade e no campo, ou nos diferentes ramos de produção, etc. Mas observa que a população, assim entendida, é uma abstração, pois ela constitui um conceito vazio na medida que omitimos as classes que a compõem e os elementos sobre os quais estas se apóiam, como o trabalho assalariado, o capital, etc. (MEP, p. 122/35-6).

A população aparece duas vezes no argumento, e ambas as vezes com a menção às classes que a integram, mas na primeira vez estas aparecem de um modo que Marx considera inadequado, o que não ocorre no segundo caso, o que parece contraditório. O motivo é que na primeira menção as classes aparecem apenas como subdivisões numéricas da população, ao lado das subdivisões em cidade e campo, em ramos de produção, etc., ao passo que na segunda as classes são elementos constituintes da população, referidas aos seus fundamentos no trabalho, no capital, entre outros, expressando portanto relações sociais. Mas, apesar de a população ser, no primeiro sentido, o pressuposto real, ela é “uma abstração”, pois ela constitui a representação mental parcial de um todo complexo . Assim, a população como ponto de partida “seria uma representação caótica do todo” (Ibidem, p. 122/36).

O conceito de concreto, na exposição de Marx, aparece de um modo que requer maior detalhamento. Para isto deve-se partir de duas distinções essenciais. A primeira consiste na distinção entre o concreto entendido como ponto de partida do processo de conhecimento, que poderíamos denominar concreto real, e depois como seu resultado, o concreto pensado. Somente no segundo sentido é que se aplica apropriadamente o conceito de concreto, no sentido específico de que a realidade está compreendida ou interpretada pelo pensamento como totalidade orgânica. A segunda distinção decorre da concepção filosófica materialista de Marx e refere-se ao concreto como ponto de partida. Este deve ser entendido de dupla forma: por um lado, representando a realidade material, que é o pressuposto do pensamento e que existe antes dele e independentemente dele. Este é o sentido adequado da expressão concreto real, porque designa o mundo material realmente existente e constitui o ponto de partida real como objeto de todo pensamento. No entanto, o ponto de partida do processo de elaboração do conhecimento , indicado por Marx, é o concreto como representação mental, isto é, como expressão da percepção imediata da realidade através dos sentidos. Parece adequada, neste sentido, a designação de concreto sensorial a esta representação (Diccionário, 1984, p. 6; Inwood, p. 41). Neste sentido o concreto sensorial é uma representação caótica do todo.

Há uma certa imprecisão no uso do conceito de concreto na literatura. O significado do concreto em Marx é de representar o real inteligível, o que implica uma totalidade como síntese de muitos elementos interligados, ou muitas determinações, como na citação acima. Neste caso Marx o utiliza como categoria do pensamento e não da realidade empírica . Hegel expresssa-se de modo idêntico, pelo menos em uma passagem (“... a idéia é essencialmente concreta, visto ser essa a unidade de distintas determinações”, Hegel, p. 103). A identificação do termo latino concretus, que lhe dá origem, torna mais claro o seu significado: ‘formado ou crescido por agregação’ (Inwood, p. 41). Marx parece coincidir com Hegel, no sentido de que para ambos o concreto é um categoria do pensamento. Mas há uma diferença essencial: para Hegel o real situa-se no plano das idéias, sendo o empírico apenas aparência ou fenômeno, ao passo que para Marx o real é o empírico, o mundo material, e as idéias o seu reflexo no pensamento. Assim, o concreto como categoria do pensamento constitui apenas a forma - a única possível - pela qual o pensamento reproduz o real como ele é, uma totalidade de muitos elementos interligados. Sendo assim, é legítimo utilizar as expressões concreto real e concreto pensado, embora Marx não as tenha utilizado , uma vez que a totalidade real, como integração real dos seus componentes materiais, é o empírico, ao passo que o concreto como pensamento é apenas a sua reprodução do único modo possível ao ser humano . Neste sentido a expressão concreto sensorial parece menos legítica, na medida que o que é captado diretamente pelos sentidos não é o real como totalidade, mas como cáos. Talvez a expressão mais adequada fosse percepção sensorial ou simplemente o sensorial. Mas mantém-se o concreto sensorial por ser a percepção do concreto na sua realidade.

O concreto pensado, em oposição ao anterior é, como o nome diz, o concreto como produto ou resultado do pensamento através de um processo de síntese, de totalização, em que as diversas partes significativas da realidade são combinadas em uma totalidade, na qual se articulam de modo definido, não estaticamente mas dinamicamente ou como processo. Quais são as partes da realidade cuja síntese constitui o concreto pensado? São as partes ‘pensadas’ do concreto real, isto é, elaboradas pelo pensamento a partir do concreto sensorial, na forma de conceitos ou abstrações simples. São portanto os componentes elementares do concreto sensorial, isolados e extraídos do todo caótico inicial e reduzidos à sua expressão pura. As abstrações representam, portanto, os componentes significativos do real investigado. O mero agrupamento destes componentes em um conjunto, todavia, não constitui uma reprodução coerente e articulada do todo, mas apenas uma coleção de peças isoladas. Como tal coleção, este conjunto não constitui conhecimento do concreto real, pois não o apresenta como um todo internamente articulado e não identifica as leis do seu movimento. Na economia este trabalho de identificação das abstrações simples, ou das peças elementares do sistema econômico, foi inicialmente realizado, segundo Marx, pelos economistas do século 17, que isolaram “algumas relações abstratas gerais, como divisão do trabalho, dinheiro, valor, preços, etc” (MEP, p. 122/36).

Estas abstrações são a matéria prima do conhecimento verdadeiro, representado pelo concreto pensado, cuja elaboração constitui a segunda fase, que Marx concebe como o método cientificamente correto. Assim, o processo de elaboração do conhecimento pelo pensamento, consiste, em primeiro lugar, na elaboração das abstrações, ou conceitos, a partir do concreto sensorial - que é a primeira fase -, e em segundo lugar na reconstrução do real, pelo pensamento, a partir das abstrações elementares - a segunda fase, do abstrato novamente para o concreto, mas agora para o concreto pensado. Esquematicamente o processo de elaboração do conhecimento pode ser apresentado da seguinte forma:

concreto sensorial  coleção de abstrações simples  concreto pensado


processo de elaboração do conhecimento
Após a menção à elaboração das abstrações mais simples pelos economistas do séc. 17, diz Marx que, “assim que estes momentos isolados haviam sido mais ou menos fixados e abstraídos, começaram os sistemas econômicos [isto é, os esboços do concreto pensado econômico - CMG], que se elevavam do simples, como trabalho, divisão do trabalho, necessidade, valor de troca, até o Estado, o comércio entre as nações e o mercado mundial” (MEP, p. 122/36). Smith é um destes edificadores de sistemas teóricos, mas ainda se debate em contradições entre as representações do concreto sensorial e do concreto pensado: “A economia política, em A. Smith, havia se desenvolvido até uma determinada totalidade, havia delimitado, em certo sentido, o terreno que abarca. Por um lado ele segue as conexões internas das categorias econômicas - ou a estrutura oculta do sistema econômico burguês [o concreto pensado - CMG]. Por outro lado expõe a interconexão tal como é perceptível nas aparências da concorrência e como se apresenta portanto ao observador leigo [o concreto sensorial - CMG] (...)” (TMV2, p. 816).


O conceito de prática como base do pensamento

No entanto, o processo de elaboração do conhecimento pelo pensamento constitui apenas a etapa mental do processo de conhecimento, partindo do concreto sensorial. Mas como se forma o concreto sensorial? Segundo a concepção materialista, ele constitui o reflexo, mediado pelos sentidos, do mundo material na mente humana. Mas este reflexo não é entendido por Marx como uma relação sujeito-objeto de tipo individual e contemplativo, nem é uma relação linear contínua, que se inicia com a sensação e termina com o conhecimento. É um processo de repetição contínua, que integra o processo contínuo de intercâmbio do ser humano com a natureza através do trabalho, que constitui a produção material). Ao produzir , isto é, ao transformar os materiais naturais, o ser humano interpreta continuamente os efeitos da sua ação sobre a natureza e, com isso, interpreta a própria natureza, sua estrutura e dinâmica, e testa contínuamente a sua interpretação, ao observar os efeitos positivos e negativos da sua ação baseada na interpretação anterior . Com base nesta observação, reformula e refina as suas interpretações, que é o que constitui o processo de elaboração do conhecimento. Neste sentido é que se diz, na filosofia materialista, que o critério da verdade é a prática . Pode-se dizer, sintetizando, que o processo do conhecimento consiste em duas etapas, sendo a primeira a ação material ou física do ser humano sobre a realidade material - a natureza, por um lado, e a sociedade, por outro - através do trabalho, e a segunda a sua ação intelectual sobre a mesma, que é o processo de elaboração mental do conhecimento com base no concreto sensorial. No conjunto, estas duas fases compõem a prática. Consequentemente, parece fundamentado afirmar que o processo do conhecimento coincide com o conceito de prática . Sendo assim, o seguinte esquema parece representar adequadamente o ponto de vista de Marx sobre a natureza da prática e do processo do conhecimento como um todo:




A seta na parte superior do esquema, do concreto pensado ao concreto real, ressalta o fato de que o conhecimento, como resultado do processo, continuamente reage sobre a prática material, realimentando-a e sendo por ela novamente aperfeiçoado. Ao mesmo tempo pretende-se demonstrar o fundamento da noção marxista de que a teoria e a prática são duas atividades que não podem existir isoladamente uma da outra - não se faz atividade prática sem conhecimento do pretendido, nem se elabora conhecimento sem realizar atividade prática -, embora possam ser separadas como funções de indivíduos diferentes, como se verá.

Por outro lado, o ser humano, desde o início, organiza-se em grupos e produz em grupo, com base em formas progressivas de divisão do trabalho, ou seja, em formas sociais progressivas. Consequentemente, produz em sociedade, de modo que a produção deve ser conceituada não como produção individual mas como produção social, e sua base não é o trabalho individual mas o trabalho combinado socialmente em uma estrutura de divisão do trabalho. Isto tem duas implicações. Por um lado, todo produto individual é apenas uma parte do produto total, não apenas do ponto de vista quantitativo, mas principalmente qualitativo, pois cada produtor fornece um produto diferente. Isto implica que nenhum indivíduo pode sobreviver do produto físico do seu próprio trabalho, do qual obtém apenas uma parte (que é tanto menor quanto mais desenvolvida está a divisão do trabalho) dos meios de produção e consumo essenciais à sua sobrevivência. Por outro lado, o trabalho e o produto do trabalho devem ser distribuídos entre os membros do grupo social, o que pressupõe um processo contínuo de interação entre estes, condicionado pela estrutura do processo social de produção. Esta estrutura de interações constitui o que Marx denominou as relações sociais de produção e distribuição, que constituem a estrutura econômica da sociedade e o objeto da economia como ciência (CEP, p. 135/100). Isto significa que o concreto real, que constitui a base material do processo de conhecimento específico representado pela economia, é a rede de relações estabelecidas pelos indivíduos, em determinada sociedade, na produção e na distribuição dos meios necessários à sua sobrevivência . Assim sendo, o conceito de prática ou de processo do conhecimento engloba dois conjuntos de relações, as relações do ser humano com a natureza e as suas relações recíprocas na sociedade . A teoria sobre a economia, resultante do processo de elaboração do conhecimento nesta área, constitui o concreto pensado específico a ela, uma totalidade de múltiplos elementos interrelacionados, e estes elementos são as abstrações ou conceitos que expressam as relações sociais de produção e distribuição. Por este motivo específico é que se deve dizer que a economia, para Marx, é uma teoria social.

A divisão do processo do conhecimento em duas etapas distintas, a material e a mental, tem uma importante consequência. No início, a ação sobre a natureza e a sua interpretação - isto é, as práticas material e intelectual - são realizadas pelos mesmos indivíduos. Mas, à medida que a divisão do trabalho evolui, na produção e na distribuição, institui-se também, aos poucos, a divisão entre os trabalhos material e intelectual. Isto significa que a produção material e a produção intelectual passam a ser realizadas, gradualmente, por indivíduos diferentes, com implicações que serão indicadas adiante.

Finalmente, é necessário deter-se na relação existente entre o concreto pensado e a realidade empírica. Esta relação vem à mente quando se reflete sobre se o concreto pensado coincide com a realidade empírica, o que parece ser o caso, pois se pretende que ele constitua a reprodução do real como uma totalidade coerente, mas ao mesmo tempo parece não ser o caso, pois ele constitui apenas uma categoria mental. O assunto não pode ser aprofundado neste momento, pois requer exploração mais cuidadosa, mas algumas observações são oportunas. Em primeiro lugar, admitindo que o procedimento de elaboração do concreto pelo pensamento tenha sido tecnicamente correto, deve-se concluir que o concreto assim elaborado representa efetivamente a realidade a que se refere. Mas como esta categoria se compara com a realidade efetiva, inicialmente mencionada, e caracterizada como caótica? Um pouco de reflexão indica que a realidade efetiva, como categoria do mundo realmente existente, não é caótica. Caótica é a representação da realidade tal como apreendida diretamente pelos sentidos, portanto como categoria sensorial humana ainda não elaborada pelo pensamento. A apreensão da realidade como totalidade coerente, que ela é, requer que a representação direta caótica seja convertida pelo pensamento em uma totalidade igualmente coerente. Mas este resultado do processo, o concreto pensado, é um produto do pensamento, inteiramente construído com material abstrato, que são as abstrações ou conceitos teóricos . O concreto pensado, portanto, é uma categoria do pensamento, não é uma categoria da realidade. Como tal, não pode encontrar correspondência direta na realidade empírica. Uma ilustração econômica talvez torne mais claro o problema. Tomemos as categorias denominadas valor, preços, força de trabalho, taxa média de lucro, etc. Elas são conceitos ou abstrações que integram o capitalismo como concreto pensado, mas não existem na forma de abstrações em nenhuma economia capitalista. O que existe é um certo tipo de expressão dos valores em sistemas de preços diversificados segundo a época e o país; a força de trabalho como estruturas diferenciadas das massas de trabalhadores também localizadas no tempo e no espaço; a taxa média de lucro como estruturas igualmente diferenciadas de taxas de lucros, etc. O próprio capitalismo, entendido como concreto pensado, que é o modo de produção, não existe como tal no mundo real, mas apenas em formas históricas objetivas, que Marx denominou formações econômico-sociais.

O produto teórico da economia política, portanto, é uma representação mental da estrutura econômica da sociedade. Como é que esta representação mental, no caso do capitalismo, em que, por representar a lógica interna do capitalismo em geral, não representa nenhuma economia capitalista particular - como por exemplo a norte-americana, ou a japonesa, ou a brasileira -, se relaciona a estas suas formas empíricas de existência? A resposta é que o concreto pensado pode ser elaborado em diferentes ‘graus de concreção’ ou ‘graus de abstração’ . Assim, o modo de produção constitui um concreto pensado, abstraídas as características que distinguem as diferentes economias capitalistas nacionais umas das outras. Um maior grau de concreção ou menor grau de abstração seria suspender a abstração das características nacionais, ou, ao inverso, incorporar, ao concreto representado no conceito geral de modo de produção as características específicas de um país. Marx afirmou que tão fácil quanto é perceber o vínculo do particular ao geral, ou do existente ao abstrato, é difícil senão impossível fazer o caminho inverso. A ilustração é o conceito fruta, que Marx utiliza para demonstrar o contraste entre os procedimentos materialista e idealista, como se exporá adiante. A observação de qualquer fruta particular, como por exemplo uma maçã, permite ao observador imediatamente dizer tratar-se de uma fruta, mas à pergunta “apresente-me ‘a’ fruta”, ser-lhe-ia impossível fazê-lo, pois não há qualquer objeto particular que seja ‘a’ fruta. Mas o sujeito teria resposta se lhe fosse pedida uma fruta com determinadas características que lhe permitissem identificar a fruta particular desejada. Isto significa que a identificação do empírico que corresponde a um abstrato determinado não pode ser direta, mas requer o acréscimo de elementos concretos adicionais .

A síntese disto parece ser que o concreto pensado é a representação lógica do real, portanto não é o próprio real. Esta representação lógica do real é que Marx denominou a essência do real em oposição à sua aparência. Portanto o produto da atividade intelectual é a representação da essência, ou das conexões internas da realidade - o concreto pensado -, que não é perceptível diretamente pelos sentidos, mas deve ser elaborado pela reflexão. Mas a aparência, na concepção de Marx, ao contrário de Hegel, não constitui a manifestação fenomênica, portanto aleatória e passageira, de essências residentes na idéia absoluta, mas constitui a forma de existência histórica, diversificada no tempo e no espaço, do mundo material tal como é percebida pelos sentidos.

A oposição idealismo/materialismo

O exposto até aqui fornece uma base adequada para a exposição do ponto de vista do idealismo filosófico e da crítica que lhe fez Marx, principalmente na sua expressão em Hegel. O exposto até aqui, ao retratar a dialética abstrato/concreto, tal como concebida por Marx, ao mesmo tempo forneceu uma síntese do caráter materialista da sua teoria do conhecimento. Esta última pode ser sumariamente resumida em uma fórmula muito comum nas exposições sobre o materialismo filosófico: as idéias, ou o conhecimento, constituem o reflexo do mundo material na mente humana - não o reflexo como contemplação, mas como prática sensorial -, implicando que a realidade material existe antes e independentemente da consciência. O idealismo filosófico, que alcançou seu máximo desenvolvimento na filosofia de Hegel, postula, ao contrário, que as idéias possuem precedência sobre a realidade material . É fácil reconhecer no idealismo filosófico uma projeção das idéias religiosas, que postulam uma divindade que cria o mundo e o ser humano segundo um projeto determinado, cuja realização constitui o pano de fundo da evolução da natureza e do ser humano . O desenvolvimento do conhecimento é concebido, assim, como um processo de progressiva explicitação do plano divino - ou da Idéia Absoluta, segundo Hegel - na mente humana, na mesma medida que a evolução histórica constitui a manifestação progressiva do espírito absoluto, bifurcando-se no plano objetivo como antítese do espírito, e retornando como síntese, ou como concreto realizado, ao plano das idéias.

Assim, o idealismo filosófico interpreta os conceitos ou abstrações de modo essencialmente oposto ao da filosofia materialista, e nisto reside a diferença fundamental entre estas duas concepçõers filosóficas. A diferença específica consiste na origem dos conceitos ou abstrações simples que constituem a matéria prima do concreto pensado. O idealismo filosófico atribui tais abstrações, sem nenhuma demonstração convincente, a uma origem sobrenatural. Isto lhe permite interpretar o mundo, na versão hegeliana, como uma gradual realização da Idéia no plano material. Neste caso as abstrações são conceituadas como categorias lógicas, que constituem, no entanto, a essência das categorias da realidade. Segundo Hegel, seguindo a tradição idealista que vem de Platão, as abstrações não representam os objetos reais em si, mas a sua essência ideal, da qual os diferentes objetos de uma mesma família são apenas variações fenomênicas. Desde Platão esta noção permitiu postular a estabilidade essencial da realidade - ou seja, a sua natureza eterna e imutável - em face da variedade e diversidade da realidade perceptível ou aparente, uma vez que os fenômenos reais, na sua variabilidade, são concebidos como múltiplas manifestações das mesmas essências imutáveis. Segundo Hegel, é o conjunto destas essências que forma o concreto, que é uma categoria do espírito. Deste modo, a realidade material constitui, para Hegel, uma coleção caótica de ‘encarnações’ das essências abstratas, que adquirem sentido apenas quando reduzidas às suas essências residentes no Espírito, que constitui a totalidade internamente articulada e por isto o concreto. Diferentemente de Marx, portanto, para Hegel o mundo material é apenas uma mediação no processo evolutivo da Idéia.

Segundo Marx, o raciocínio idealista inverte a relação entre os objetos reais e suas representações como idéias ou abstrações, resultando em que o conceito de abstração define-se de modos diferentes nas duas filosofias. Marx fez a crítica do conceito idealista, por um lado em sua expressão geral, em um capítulo da SF (cap. 5, seção 2. O segredo da construção especulativa); por outro lado, na sua aplicação à economia, em um capítulo da MF (cap. 2. A metafísica da economia política; seção 1. O método). Em síntese, o método idealista geral consiste em conceber os objetos reais como meras manifestações passageiras de essências ‘imateriais e abstratas’, ao passo que o método materialista consiste em conceber as abstrações como resultado da elaboração intelectual, com base na prática material, de conceitos que constituem generalizações de um caráter comum a diversos objetos reais. Marx exemplifica com o conceito de ‘fruta’. Em sentido materialista o conceito fruta é a generalização ou abstração de um caráter comum a diversos objetos reais como maçã, laranja, figo, etc. ou abstraídas as particularidades que caracterizam cada uma delas. Neste sentido, as frutas são os fenômenos da realidade material, ao passo que o conceito é uma abstração que resulta da reflexão baseada na prática, sendo portanto um produto do intelecto. Assim, a fruta é o conceito elaborado pelo intelecto a partir dos objetos reais, que são as frutas realmente existentes (SF, p. 60). No sentido idealista, em contraste, a abstração constitui a categoria real, na forma de uma essência imaterial, residente no mundo das idéias, que se manifesta em diversos objetos reais diferenciados, que são apenas diferentes expressões, ou aparências, da mesma essência ‘imaterial e abstrata’. No exemplo de Marx, no sentido idealista o conceito fruta é a categoria real, ou essência, da qual as diferentes frutas são apenas encarnações imperfeitas e passageiras. Daí que, na concepção idealista, os objetos materiais são, de fato, representações fugazes de essências ideais (Ibidem, p. 60-61).

A concepção idealista da esfera objetiva (ou mundo material) como reflexo de uma esfera ideal é, segundo Marx, essencialmente produto de contradições sociais objetivas, que aqui não podem ser consideradas, mas também encontra justificativa em uma ilusão cujo fundamento reside, em parte, na natureza do processo do conhecimento, exposto acima, em particular à medida que o desenvolvimento social atinge fases mais avançadas. Em síntese, este fundamento consiste em primeiro lugar no fato de que conhecer é reproduzir o real através do pensamento. Isto significa que o concreto real apresenta-se de imediato como um produto intelectual, cuja matéria prima é a coleção de conceitos ou abstrações simples elaboradas previamente, e que são também produtos intelectuais. Assim, se se isola a etapa mental do processo do conhecimento como um todo, representado esquematicamente acima, é possível conceber o próprio mundo como produto do pensamento, seja do próprio ser humano ou de um ser concebido como superior, que em Hegel é a Idéia ou o Espírito absoluto . Além deste fundamento, a ilusão da autonomia do pensamento na criação do mundo real reforça-se quando surge e se expande a divisão do trabalho entre as atividades materiais e as mentais, ou entre os trabalhos manual e intelectual. Quando isto ocorre, o fato de que a etapa intelectual do processo de conhecimento, ou da prática, é realizada por indivíduos especializados nesta função e totalmente separados das atividades da produção direta, desenvolve-se a pretensão de que a atividade intelectual possui autonomia diante da atividade material, e converte-se em uma aparente justificativa da primazia do espírito sobre a matéria .


A sucessão de modos de produção e as mudanças nas idéias ou na consciência social

Vimos que as idéias refletem a prática, ou a atividade humana, como fenômeno social e não individual, e que esta prática engloba as relações do ser humano com a natureza, por um lado, e uns com os outros na sociedade, por outro. É um fato da observação que as idéias, as concepções, as teorias, alteram-se ao longo do processo histórico, isto é, idéias existentes são abandonadas e novas idéias surgem. Com base no princípio da elaboração do conhecimento a partir da prática, segue-se que a evolução das idéias deve ser concebida como reflexo de mudanças nas relações do ser humano com a natureza e na sociedade . Nisto consiste o processo histórico. Segue-se disto que a história das idéias é destituída de sentido se desligada da história da prática humana . Embora separada nas esferas natural e social, a atividade humana constitui uma totalidade, pois a esfera natural da prática é o processo de produção e este é um processo social, porque condicionado pela divisão do trabalho. Marx postulou que a prática social, concebida duplamente deste modo, dá origem a padrões definidos de organização social, os modos de produção, cuja configuração é determinada pela combinação de dois elementos: um é o grau de desenvolvimento das forças produtivas do trabalho, ou da técnica, em sentido amplo, o outro são as relações sociais de produção, refletidas no regime jurídico da propriedade dos meios de produção. No que diz respeito ao desenvolvimento da técnica, que pressupõe o desenvolvimento do conhecimento da natureza com base na evolução da prática material, Marx postula a existência de níveis ou patamares qualitativamente diferenciados do seu desenvolvimento, de tal modo que se pode determinar épocas históricas sucessivas, caracterizadas por padrões progressivos, qualitativamente diferenciados, da base técnica da produção. Estes patamares, porém, estão vinculados a regimes de propriedade determinados.

O papel do regime da propriedade dos meios de produção é mais complexo e, dadas as suas implicações sociais e o seu caráter essencial na configuração das sociedades modernas, mais explosivo. Segundo Marx, a cada nível de desenvolvimento das forças produtivas corresponde um regime determinado de propriedade dos meios de produção, nesta ordem . É essencial observar que este postulado decorre necessariamente da concepção materialista da relação entre a vida material e a consciência, uma vez que o regime de propriedade é uma categoria jurídica, portanto uma categoria da consciência. Considerando que a fonte do conhecimento e da elaboração de conceitos é a prática material, que condiciona as relações sociais - que são, deve-se lembrar, relações impostas pelo caráter objetivo da produção e da distribuição dos meios de vida -, segue-se que o regime de propriedade, que reflete a relação social objetiva, deriva o seu caráter do caráter da produção, isto é, da configuração técnica desta. Ao relatar o resultado das suas pesquisas iniciais, no prefácio da Contribuição ..., Marx é explícito a este respeito:

“Na produção social da sua vida os seres humanos estabelecem relações determinadas, necessárias e independentes da sua vontade, relações de produção, que correspondem a níveis determinados de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. (...) O modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social, político e intelectual em geral” (CEP, p. 135/100, grifos acrescentados).

A produção material da vida é a base de toda a atividade humana prática, com base na qual as forças produtivas se desenvolvem através da solução progressiva dos novos problemas que se apresentam sucessivamente, e é o desenvolvimento das forças produtivas que altera a configuração das relações do ser humano com a natureza e na sociedade .

Há uma diferença necessária entre o conceito de propriedade como apropriação material e como regime jurídico. Toda produção é apropriação de materiais naturais por quem produz. Na medida que o conteúdo técnico da produção se desenvolve, a produção ou apropriação de materiais naturais vale-se de outros materiais naturais previamente extraídos da natureza e apropriados pelo produtor, que são os meios de produção produzidos, como instrumentos, instalações, matérias-primas elaboradas, etc. No início histórico da atividade produtiva humana, quando a divisão do trabalho era limitada e pequenos os grupos humanos, a produção e a apropriação apresentavam um caráter coletivo elementar, não havia distinção entre a apropriação individual e a coletiva, e a terra era o meio de produção fundamental. Ao correspondente período histórico Marx denominou comunismo primitivo. Todavia, à medida que a divisão do trabalho especializou famílias e/ou grupos de famílias em ramos de produção distintos, separaram-se agricultura e pecuária, campo e cidade, produção e circulação, produção e consumo, etc., e os meios de produção produzidos tornaram-se mais relevantes. Surgiu assim uma mediação entre a apropriação individual pela produção e a apropriação coletiva pela distribuição do produzido. A produção especializada individualizou a apropriação dos meios de produção produzidos e da própria terra. Isto ocorreu ao longo de um complexo e longo processo histórico, dando origem ao conceito jurídico da propriedade privada, distinto do conceito de apropriação pelo trabalho e da apropriação coletiva pela distribuição . Iniciou-se com isso a época histórica das sociedades baseadas na propriedade privada dos meios de produção, que se distinguem uma da outra pela forma específica que este regime de propriedade adota.

Deve-se notar que o comunismo primitivo designa a propriedade coletiva no sentido de propriedade comum ou geral, isto é, que engloba todos os membros do grupo social. A introdução da propriedade privada, por outro lado, não designa a generalização da propriedade em caráter privado individual, mas implica a limitação da propriedade, ou a privação da propriedade dos meios de produção para uma parte da sociedade, de modo que esta cinde-se em duas classes fundamentais, a proprietária e não-proprietária. A instituição da privação da propriedade corresponde à instituição da exploração do trabalho alheio , e por consequência dá origem a uma ruptura da sociedade em uma parte dominante e uma parte dominada, que tem consequências decisivas sobre o processo de elaboração das idéias.

Esta cisão da sociedade pressupõe que a produtividade do trabalho atingiu um nível tal que torna possível que o trabalho do produtor direto reproduza não só a própria vida como ainda a da classe proprietária, sem que esta, ou uma parte dela, tenha necessidade de trabalhar diretamente na produção. É esta circunstância que permite que a divisão do trabalho se estenda às duas partes em que se divide a atividade prática: isto é, a prática material e a prática intelectual tornam-se funções de indivíduos diferentes. Mais especificamente, o trabalho intelectual torna-se função de uma parte da classe proprietária. A propriedade privada dos meios de produção, a privação da propriedade de uma parte da sociedade, a exploração do trabalho alheio, etc., são todas expressões de relações sociais objetivas, condicionadas pelo desenvolvimento da prática material social, que se expressam na consciência como idéias ou abstrações, do modo já exposto. Mas o fato de que a elaboração das idéias torna-se uma função exclusiva de uma das partes em que a sociedade está cindida tem consequências decisivas sobre a forma tomada pelos conceitos que expressam as relações sociais vigentes. Assim, “as idéias da classe dominante são, em cada época, as idéias dominantes, isto é, a classe que constitui o poder material dominante da sociedade, constitui ao mesmo tempo o seu poder intelectual dominante”, pois a classe que domina a produção e a distribuiçào dos meios materiais, domina também a produção e a distribuição das idéias.

Em que consistem as idéias dominantes? Seguindo a relação material/intelectual já exposta, elas “nada mais são do que a expressão ideal [isto é, na forma de idéias - CMG] das relações materiais dominantes, ou das relações materiais dominantes concebidas como pensamentos; ou seja, das relações que fazem de uma classe a dominante, ou seja, [d]os pensamentos da dominação” (IA, p. 46-7). Assim, a cisão da sociedade em classes antagônicas incide sobre o momento intelectual do processo do conhecimento, conferindo-lhe um viés ou uma unilateralidade específicos, que refletem o caráter específico do domínio de classe vigente. Em primeiro lugar, as idéias que expressam a dominação são geradas pela existência objetiva da dominação, condicionada esta pelo estágio de desenvolvimento das forças produtivas vigente. Portanto, não é o surgimento prévio de idéias ou intenções de dominação que dá origem à dominação de classes, mas o contrário é que ocorre. Em segundo lugar, são os integrantes de um segmento social específico que exercem a função, condicionado também isto pela divisão do trabalho correspondente ao estágio de desenvolvimento das forças produtivas, de elaborar o sistema de idéias dominante nesta sociedade, e este segmento é um segmento da classe dominante. Nesta medida as idéias que expressam a dominação são convertidas em justificação da dominação, dando origem a interpretações ideológicas próprias de cada época histórica.

Deve-se mencionar duas implicações importantes do processo de formação das idéias que expressam as relações objetivas de dominação como auto-justificação da classe dominante: por um lado, as idéias dominantes de uma época podem ser, e são, concebidas como se pudessem ser desvinculadas do caráter específico do domíno de classe vigente - por historiadores, por exemplo -, de modo que se elabora teorias aparentemente consistentes, que postulam que o caráter das estruturas econômica, social, institucional, etc., de cada época são um produto das idéias dominantes nesta época, e não o contrário. As idéias são concebidas, assim, como a fonte da qual brota a realidade, seja ou não esta fonte situada explicitamente em um nível transcendental, e são responsabilizadas pelo que a realidade apresenta de bom e de mau. Isenta-se assim a realidade e especialmente a classe dominante do momento. Deste princípio se deduz o corolário de que a transformação das estruturas sociais requer uma prévia transformação das idéias, conceitos, teorias vigentes . Por outro lado, a própria classe dominante desenvolve a pretensão de que é um determinado sistema de idéias ou concepções que determina o seu domínio como imposição de uma predestinação transcendental (IA, p. 47). Entende-se facilmente que os pensamentos dominantes, entendidos, como acima, como expressão das relações que fazem de uma classe a classe dominante, sejam formulados, ao contrário, como pretensa expressão não do ser humano típico da época, mas de um suposto ser humano em geral, ou da essência humana natural, isto é, inscrita no ser humano pela natureza. Esta operação mental permite representar o domínio da classe do momento em expressão da natureza eterna do ser humano e não dos interesses passageiros e exclusivistas da classe que no momento exerce o domínio.

É precisamente deste tipo a concepção burguesa da natureza humana, na medida que ela atribui ao ser humano, como sua essência natural, o conjunto das idéias que expressam a dominação das relações capitalistas de produção e distribuição e consequentemente da classe capitalista. Assim, a noção da ordem natural fisiocrática - uma das expressões originais da ideologia econômica burguesa em geral - afirma que a ordem mercantil, especificamente capitalista, isto é, as relações sociais próprias do capitalismo, expressam as motivações intrínsecas ou inatas à natureza humana, por isto é uma ordem natural . Disto se segue que todas as demais formas de organização social são artificiais, porque colidem com as motivações naturais inatas do ser humano (MF, p. 134/139). Em Adam Smith este pressuposto aparece, por exemplo, no início da Riqueza das Nações no postulado de que a economia mercantil resulta da propensão à troca, inata no ser humano, isto é, que faz parte da sua natureza, o que implica do mesmo modo que a ordem mercantil capitalista é uma ordem natural (Smith, cap. 2). Todas as idéias que expressam as relações especificamente burguesas, que são ao mesmo tempo as idéias que expressam o domínio da classe capitalista, são tidas como atributos do ser humano em geral. Assim por exemplo a forma burguesa da propriedade privada é conceituada como a forma geral da propriedade; o mesmo se dá com a perseguição do interesse privado como princípio regulador, consequentemente a concorrência e a vitória dos mais aptos; com o Estado como guardião da ordem burguesa, concebida como a forma geral da ordem social, e assim por diante.

Este processo de ideologização da realidade constitui o fundamento do chamado individualismo metodológico, pois este postula precisamente que a explicação da constituição da sociedade atual - que é capitalista - deve ser buscada nas motivações do indivíduo, que no capitalismo são as motivações capitalistas do indivíduo, interpretadas no entando como motivações do ser humano em geral e inatas. Aplicado à economia, este procedimento implica que as relações sociais de produção e distribuição do capitalismo, que constituem a estrutura básica da sociedade atual, têm sua origem em uma essência humana previamente existente, portanto natural, cuja exteriorização constitui a sociedade capitalista. O individualismo metodológico expressa, portanto, no terreno do método, o processo de inversão da direção da causalidade, que vai da prática material para as idéias, e o seu procedimento constitui uma tentativa de justificação teórica da racionalidade da ordem burguesa. Esta racionalidade possui o agravante de ser concebida como eterna: uma vez que são as inclinações humanas naturais - isto é, impressas no ser humano pela ordem da natureza e não pela ordem social -, segue-se que a ordem burguesa é a única ordem social compatível com a natureza humana. Por este motivo é que Marx caracteriza o enfoque da economia política clássica como um enfoque a histórico, pois é incapaz de situar o capitalismo historicamente, isto é, como forma de organização social condicionada historicamente e portanto destinada a ser superada, como todas as demais.

Na concepção materialista elaborada por Marx, ao contrário, “a essência humana não é um abstrato residente no indivíduo isolado. Na sua realidade ela é[, ao contrário,] o conjunto das relações sociais” (IA, p. 6, inserção acrescentada). A sociedade, do mesmo modo, não é um conjunto de indivíduos - que constitui apenas a população -, mas uma rede de relações sociais. Neste sentido é que se pode dizer que, na teoria de Marx, o indivíduo é determinado pela sociedade, e não o contrário. Mas isto não implica conceber o ser humano como um ser passivo, mas é compatível com a concepção de Marx, exposta acima, segundo a qual o ser humano é o sujeito da sua história, através da sua atividade prática. Como se explica o aparente paradoxo? O que é decisivo é que o ser humano elabora a sua própria história, mas não individualmente nem planejadamente, mas socialmente e como resultado não previsto do conjunto das relações que estabelece com a natureza e entre si, das quais só gradualmente toma consciência. Deste modo o indivíduo, concebido isoladamente, e até mesmo cada geração, defrontam-se com condições objetivas que não escolheram e dentro de cujo contexto devem viver e desenvolver a sua ação, que é a origem da mudança a partir da base que encontram quando nascem. Portanto, o processo através do qual o ser humano, como ser social, produz a sua história, é por sua vez condicionado e limitado historicamente.

Uma implicação relevante do vínculo entre o ser e a consciência, estabelecido por Marx, pode ser apresentada do seguinte modo. Da exposição de Marx deduz-se que, por um lado as idéias dominantes em sociedades de classes expressam as relações sociais vigentes, que são relações de dominação de uma classe sobre outra. Mas, por outro lado, o domínio de classe vigente reflete não uma imposição arbitrária, por uma classe, do seu domínio sobre a outra, mas é resultado de uma organização necessária da produção social. Necessária no sentido de ser imposta pela trajetória objetiva de desenvolvimento das forças produtivas, significando que é a trajetória objetivamente seguida por este desenvolvimento que conduz em primeiro lugar à cisão da sociedade em classes com base na propriedade privada, e em segundo lugar a formas sucessivas e qualitativamente distintas, de sociedades de classes, baseadas em formas distintas e progressivas da propriedade privada. Isto significa que a divisão em classes, e consequentemente o domínio de uma classe sobre a outra, são resultados naturais e, neste sentido, inevitáveis, do desenvolvimento social em cada momento. Se é assim, se o domínio de classe reflete uma organização da produção social resultante do desenvolvimento objetivo das forças produtivas, segue-se que não há, em princípio, justificativa para idéias fundamentadas, divergentes das dominantes, ou seja, idéias contrárias às relações de dominação vigentes. Ou melhor, não há justificativa para a emergência de idéias divergentes como representação de relações reais, pois não existem, em princípio, relações reais divergentes das relações vigentes. Todavia, caso relações reais divergentes surjam, idéias divergentes das dominantes surgirão, também necessariamente, como seu reflexo no pensamento.

E o fato é que, segundo Marx, idéias deste tipo surgem, também por força da necessidade imposta pelo desenvolvimento objetivo, pois o desenvolvimento das forças produtivas gera uma nova configuração da divisão do trabalho, novas funções na estrutura da produção e da distribuição e extinção de funções antigas, portanto uma correspondente nova forma de relação de apropriação dos meios de produção e dos produtos pelos produtores, etc. Todas estas novas realidades expressam-se na forma de novas idéias e concepções, que Marx denominou de revolucionárias, porque propõem uma reformulação ou revolução nas relações sociais, que estão assentadas, deve-se recordar, em formas definidas de propriedade. O que as novas idéias propõem, portanto, é uma transformação qualitativa do regime de propriedade dos meios de produção. Mas não propõem tal reformulação com base em princípios abstratos de justiça ou igualdade, mas refletindo as transformações objetivas, de natureza técnica, em curso na estrutura das forças produtivas, apontadas acima, que fornecem o fundamento a uma demanda objetiva pela substituição das relações sociais vigentes por relações de novo tipo. Estas idéias não se propõem por elas mesmas, mas por intermédio dos sujeitos das novas relações de propriedade, que constituem uma nova classe em processo de gestação a partir das transformações em curso na esfera das forças produtivas.

Assim sendo, a nova classe resulta de um processo de transformação que abala o domínio da classe dominante existente, porque surge de um abalo nas relações de produção em que tal domínio se baseia. É isto que Marx designa como surgimento histórico de uma época de revolução social, resultante da contradição que se estabelece entre “as forças produtivas materiais da sociedade e as relações de produção vigentes, ou o que é apenas uma expressão jurídica disto, [entre as forças produtivas e] as relações de propriedade, no interior das quais até agora se moveram” (CEP, p. 136/100-1, inserção acrescentada). É o raciocínio lógico exposto acima que justifica a afirmação de Marx, nesta mesma passagem, de que “a humanidade só se propõe tarefas que pode resolver, pois, após melhor exame se concluirá que a própria tarefa só se coloca onde as condições materiais da sua solução já existem ou estão em processo de gestação” (Ibidem, p. 136/101) .

Como se pode ver, este resultado decorre do desenvolvimento simultâneo das práticas natural (desenvolvimento técnico) e social (desenvolvimento das relações sociais na produção). A esfera das idéias, em todas as suas manifestações (científica, técnica, ideológica, política, artística, etc.), reflete estes desenvolvimentos. O fato de este reflexo não ser linear nem simples, mas extremamente complexo, não anula o nexo lógico que vai da prática às idéias, desde que a análise pretenda fornecer uma explicação consistente da origem das idéias. Caso se negue o nexo lógico proposto por Marx, deve-se necessariamente postular que as idéias têem uma origem externa à prática humana objetiva, o que constituirá uma forma de idealismo. O conflito ao qual Marx se refere nos momentos que precedem uma mudança qualitativa da estrutura social resultam de um conflito, na esfera da consciência social originado de um salto qualitativo no nível do desenvolvimento técnico (prática natural).

Estes enunciados de Marx deram origem a formas de interpretação do significado real das suas idéias que constituíram a base de controvérsias significativas no campo marxista. Mencione-se apenas o problema expresso no determinismo mecanicista que se passou a atribuir à teoria de Marx, por um lado na interpretação da chamada relação base-superestrutura, e por outro na suposta inevitabilidade do socialismo, abordada por exemplo em artigo relativamente recente (Paula, 1994). À parte a qualidade inegável da sua abordagem, parece-me que algumas das suas conclusões, para serem válidas, teriam que ser precedidas por uma especificação mais rigorosa dos conceitos da teoria de Marx com os quais trabalha e dos eventos com os quais os ilustra . Assim, Paula avalia como ‘determinismo vertiginoso’ a sequência lógica que conduz à revolução social, que se procurou sintetizar nos parágrafos anteriores, postulando a necessidade de reservar um lugar para outros fatores, como por exemplo a indeterminação e a subjetividade do indivíduo. Tendo-se em mente o caráter da elaboração teórica representada pelo concreto pensado, já exposto, construído com base em abstrações, os elementos apontados por Paula não conflitam necessariamente com a estrutura da teoria de Marx. Assim, o método da abstração implica eliminar muito do que se pode denominar indeterminado, sem constituir um erro técnico, e a subjetividade só seria conflitante com o enfoque de Marx caso se atribuísse a ela a capacidade de gerar conceitos desvinculados da atividade prática, natural e social, do ser humano. Mas falta especificação mais precisa para validar qualquer conclusão. Estes são problema abertos ao debate, para o qual espero que o presente artigo forneça alguns elementos relevantes.

Conclusão

Procurou-se neste artigo expor a estrutura lógica básica das concepções de Marx sobre a origem das idéias - ou da esfera do pensamento - e sobre o processo da sua mudança ao longo da evolução histórica. Esta exposição colocou em evidência, ao mesmo tempo, as implicações da concepção filosófica materialista de Marx sobre o processo de geração das idéias de modo geral, sem ter sido necessário introduzir definições doutrinárias inócuas.

A exposição procurou destacar o nexo causal existente entre as atividades práticas do ser humano - nas suas relações combinadas com a natureza e uns com os outros em sociedade - e a sua atividade mental, através da qual reproduz o mundo material, sobre o qual age, como uma totalidade do pensamento. Este princípio, aplicado à economia, permite tornar mais preciso o significado dos enunciados de Marx no seu texto O método da economia política. Através do detalhamento das implicações das relações abstrato/concreto, expostas por Marx, procurou-se definir mais rigorosamente a concepção de Marx sobre o processo de formulação das teorias econômicas e, em seguida, sobre o processo da sua evolução histórica, paralelamente à evolução das formas de organização ou modos de produção.


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OLIVEIRA, R.G. (1997). Marx: contradição e metafísica. Estudos Econômicos, 27(2):255-270.

PAULA, J.A. (1994). Determinismo e indeterminismo em Marx. Revista Brasileira de Economia, 48(2)189-202.

PAULANI, L.M. (1994). Sobre dinheiro e valor: uma crítica às posições de Brunhoff e Mollo. Revista de Economia Política, 14(3)[55]:67-77.

ROEMER, J. (Ed.) (1989). Analytical marxism. Cambridge : Cambridge Univ. Press.

SAAD FILHO, A. (1997). Re-reading both Hegel and Marx: the “new dialectics” and the method of Capital. Revista de Economia Política, 17(1)[65]:107-120.

SMITH, A. (1983). A Riqueza das Nações; Investigação sobre sua Natureza e suas Causas. v. 1 São Paulo : Abril Cultural.

WOOD, E.M. (1989). Rational choice marxism: is the game worth the candle? New Left Review, (177):41-88, sept-oct.

Fonte: http://www.thinkmedia.com.br/ufpr/#2000 texto 11/2000

Encontros Brasileiro de Educação e Marxismo

Os Encontros Brasileiros de Educação e Marxismo têm se constituído, nos últimos anos, como um importante espaço de debate acadêmico/político no Brasil para pensar a educação articulada às lutas sociais. Configura-se como estratégia de aglutinação e de ação dos marxistas vinculados à educação, entendendo que a perspectiva marxista constitui-se como teoria e prática capazes de desvendar as contradições da ordem do capital e apontar para a constituição da sociedade comunista. O marxismo é fundamental para construir alternativas conjunturais que potencializem a ação das classes trabalhadoras no enfrentamento cotidiano das práticas que buscam aniquilar o seu protagonismo histórico.

Neste sentido, reafirma o marxismo como a teoria que permite avançar na compreensão da realidade, e não apenas como instrumento de análise, mas, também, como prática de intervenção que busca a criação de uma nova forma de sociabilidade capaz de promover o pleno desenvolvimento de homens e mulheres, ao invés de produzi-los como meros escravos das necessidades de sobrevivência e daquelas criadas pelo consumismo. Recusamos, portanto, uma concepção de educação como adestramento para o mercado de trabalho, gerador e perpetuador das contradições sociais.

Nesta perspectiva, enfatizamos alguns princípios norteadores para o EBEM:
• As atividades do EBEM devem primar pela coerência teórica, metodológica, filosófica, política e prática do marxismo;
• A organização do EBEM, na unidade acadêmico/político, deve ter como prioridade o estabelecimento de relações com o movimento sindical, movimentos sociais e partidos políticos marxistas, que se expressem em atividades durante o Encontro, garantindo o espaço de diálogo entre os segmentos sociais e da academia presentes no EBEM.

O público que se busca atingir com o EBEM constitui-se de professores e demais profissionais da educação; estudantes de graduação e pós-graduação; pesquisadores da área de educação na perspectiva marxista; educadores e militantes de movimentos de lutas sociais (sindicatos, partidos etc.).

Maiores informações: http://www.arquivoebem.xpg.com.br/

sábado, 20 de março de 2010

Crítica a Economia política

PARA CRÍTICA DA ECONOMIA POLÍTICA

KARL MARX
SUMÁRIO
Introdução
I – Produção, Consumo, Distribuição, Troca (circulação)
1. Produção
2. A relação geral da produção com a distribuição, troca e consumo
a) [Produção e Consumo]
b) [Produção e Distribuição]
c) Finalmente Troca e Circulação
3. O método da Economia Política
4. Produção. Meios de produção e relações de produção ....
3 temas da introdução:

O objeto da Economia Política
Dimensão epistemológica
A organização expositiva da análise

Como a EP compreende a economia:
“Na PRODUÇÃO, os membros da sociedade apropriam-se [produzem, moldam] dos produtos da natureza para as necessidades humanas;
a DISTRIBUIÇÃO determina a proporção dos produtos de que o indivíduo participa;
a TROCA fornece-lhe os produtos particulares em que queira converter a quantia que lhe coube pela distribuição;
finalmente no CONSUMO, os produtos convertem-se em objetos de desfrute, de apropriação individual” (p.7)

Produção, Consumo, Distribuição, Troca (circulação)
PRODUÇÃO
Produção Material (ponto de partida) – ação social e determinada socialmente;
A EP toma o homem como um indivíduo isolado num momento em que as relações sociais alcançam o mais alto grau de desenvolvimento
“O homem só pode se isolar em sociedade”, acima de tudo o homem é um animal político;
A produção tem características comuns a todas épocas e particularidades específicas de cada período, ao contrário do que pensa a EP. “temos que distinguir entre produção em geral, os ramos de produção particulares e a totalidade da produção” (p. 5);
Crítica a noção de produção regida por leis naturais, eternas, independentes da História. Como também discorda da separação entre produção e distribuição


É tautologia dizer a propriedade é uma condição da produção;
Há uma relação entre o estágio das condições sociais com as perturbações na produção
“Em resumo: existem determinações comuns a todos os graus de produção apreendidas pelo pensamento como gerais; mas as chamadas condições gerais de toda produção não são outra coisa senão esses fatores abstratos, os quais não explicam nenhum grau histórico efetivo da produção” (p. 6)

2. A relação geral
da produção com a distribuição,
troca e consumo


Na produção a pessoa se objetiva
No [consumo], a coisa se subjetiva
Na distribuição, a sociedade, sob a forma de determinações dominantes, encarrega-se da mediação entre a produção e o consumo;
Na troca, essa mediação realiza-se pelo indivíduo determinado fortuitamente
No que pese a visão fragmentada dos economistas, os críticos deles estão num terreno mais abaixo

a) Produção e Consumo
A produção é também imediatamente consumo; o consumo é, imediatamente, produção
Sem produção não há consumo, mas sem consumo tampouco há produção;
O consumo produz de uma dupla maneira a produção (tornando o produto efetivo e criando e re-criando a necessidade pelo produto)
A produção engendra o consumo (fornecendo o objeto, determinando seu caráter, criando o consumidor e o impulso ao consumo)

Produção e Distribuição
A articulação da distribuição é inteiramente determinada pela articulação da produção.
A própria distribuição é um produto da produção.
no que diz respeito ao objeto,
e também no que diz respeito à forma, pois o modo preciso de participação na produção determina as formas particulares da distribuição, isto é, determina de que forma o produtor participará na distribuição
Antes de ser distribuição de produto, ela é primeiro distribuição dos instrumentos de produção, e, segundo, distribuição dos membros da sociedade pelos diferentes tipos de produção, o que determinação ampliada da relação anterior

Troca e Circulação
A troca é também manifestamente incluída como um momento da prrodução
Não existe troca sem divisão do trabalho, quer natural, quer como resultado histórico;
A troca privada supõe a produção privada;
A intensidade da troca do mesmo modo que sua extensão e tipo, são determinadas pelo desenvolvimento e articulação da produção

O Método da Economia Política

“O todo, tal como aparece no cérebro, como um todo de pensamentos, é um produto do cérebro pensante que se apropria do mundo do único modo que lhe é possível, modo que difere do modo artístico, religioso e prático-mental de se apropriar dele. O sujeito real permanece subsistindo, agora como antes, em sua autonomia fora do do cérebro, isto é, na medida em que o cérebro se comporta senão especulativamente, teoricamente” (p. 15)

O ponto de partida para o estudo da sociedade burguesa: o capital
“ O capital é a potência econômica da sociedae burguesa, que domina tudo. Deve constituir o ponto inicial e o ponto final e ser desenvolvido antes da propriedade da terra. Depois de considerar particularmente um e outro, deve-se estudar sua relação recíproca” (p. 19)

Produção. Meios de Produção e relações de produção
O método da economia política
Categoria simples – concreto
Categoria complexa – abstrato
elemento dominante – categoria complexa
abstrações mais gerais – concreto mais rico
o mais abstrato não deixa de ser determinado pelo recorte histórico
A categoria mais simples estabelece uma relação simples em estágios simples. Já em estágios mais desenvolvidos aparece como relação mais simples de um organismo mais desenvolvido

quarta-feira, 17 de março de 2010

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Divulguem essa iniciativa!!


“Os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo de diferentes maneiras, mas o que importa é transformá-lo”. Karl Marx

segunda-feira, 8 de março de 2010

Teses contra Feuerbach

Teses contra Feuerbach - Karl Marx
Escrito na primavera de 1845, publicado pela primeira vez: por Engels, em 1888, como apêndice à edição em livro da sua obra Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Alemã Clássica. Traduzido do alemão por Álvaro Pina. Retirado do Arquivo marxista na internet disponível em: http://www.marxists.org/portugues/marx/1845/tesfeuer.htm
1
A principal insuficiência de todo o materialismo até aos nossos dias - o de Feuerbach incluído - é que as coisas [der Gegenstand], a realidade, o mundo sensível são tomados apenas sobre a forma do objeto [des Objekts] ou da contemplação [Anschauung]; mas não como atividade sensível humana, práxis, não subjetivamente. Por isso aconteceu que o lado ativo foi desenvolvido, em oposição ao materialismo, pelo idealismo - mas apenas abstratamente, pois que o idealismo naturalmente não conhece a atividade sensível, real, como tal. Feuerbach quer objetos [Objekte] sensíveis realmente distintos dos objetos do pensamento; mas não toma a própria atividade humana como atividade objetiva [gegenständliche Tätigkeit]. Ele considera, por isso, na Essência do Cristianismo, apenas a atitude teórica como a genuinamente humana, ao passo que a práxis é tomada e fixada apenas na sua forma de manifestação sórdida e judaica. Não compreende, por isso, o significado da atividade "revolucionária", de crítica prática.
2
A questão de saber se ao pensamento humano pertence a verdade objetiva não é uma questão da teoria, mas uma questão prática. É na práxis que o ser humano tem de comprovar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o carácter terreno do seu pensamento. A disputa sobre a realidade ou não realidade de um pensamento que se isola da práxis é uma questão puramente escolástica.
3
A doutrina materialista de que os seres humanos são produtos das circunstâncias e da educação, [de que] seres humanos transformados são, portanto, produtos de outras circunstâncias e de uma educação mudada, esquece que as circunstâncias são transformadas precisamente pelos seres humanos e que o educador tem ele próprio de ser educado. Ela acaba, por isso, necessariamente, por separar a sociedade em duas partes, uma das quais fica elevada acima da sociedade (por exemplo, em Robert Owen).
A coincidência do mudar das circunstâncias e da atividade humana só pode ser tomada e racionalmente entendida como práxis revolucionária
4
Feuerbach parte do fato da auto-alienação religiosa, da duplicação do mundo no mundo religioso, representado, e num real. O seu trabalho consiste em resolver o mundo religioso na sua base mundana. Ele perde de vista que depois de completado este trabalho ainda fica por fazer o principal. É que o fato de esta base mundana se destacar de si própria e se fixar, um reino autônomo, nas nuvens, só se pode explicar precisamente pela autodivisão e pelo contradizer-se a si mesma desta base mundana. É esta mesma, portanto, que tem de ser primeiramente entendida na sua contradição e depois praticamente revolucionada por meio da eliminação da contradição. Portanto, depois de, por exemplo a família terrena estar descoberta como o segredo da sagrada família, é a primeira que tem, então, de ser ela mesma teoricamente criticada e praticamente revolucionada.
5
Feuerbach, não contente com o pensamento abstrato, apela ao conhecimento sensível [sinnliche Anschauung]; mas, não toma o mundo sensível como atividade humana sensível prática.
6
Feuerbach resolve a essência religiosa na essência humana. Mas, a essência humana não é uma abstração inerente a cada indivíduo. Na sua realidade ela é o conjunto das relações sociais.
Feuerbach, que não entra na crítica desta essência real, é, por isso, obrigado: 1. a abstrair do processo histórico e fixar o sentimento [Gemüt] religioso por si e a pressupor um indivíduo abstratamente - isoladamente - humano; 2. nele, por isso, a essência humana só pode ser tomada como "espécie", como generalidade interior, muda, que liga apenas naturalmente os muitos indivíduos.
7
Feuerbach não vê, por isso, que o próprio "sentimento religioso" é um produto social e que o indivíduo abstrato que analisa pertence na realidade a uma determinada forma de sociedade.
8
A vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios que seduzem a teoria para o misticismo encontram a sua solução racional na práxis humana e no compreender desta práxis.
9
O máximo que o materialismo contemplativo [der anschauende Materialismus] consegue, isto é, o materialismo que não compreende o mundo sensível como atividade prática, é a visão [Anschauung] dos indivíduos isolados na "sociedade civil".
10
O ponto de vista do antigo materialismo é a sociedade "civil"; o ponto de vista do novo [materialismo é] a sociedade humana, ou a humanidade socializada.
11
Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo.
Fonte: http://orientacaomarxista.blogspot.com/2009/06/escrito-na-primavera-de-1845-publicado.html

O MÉTODO DA ECONOMIA POLÍTICA

O MÉTODO DA ECONOMIA POLÍTICA



Quando estudamos um dado país do ponto de vista da Economia Política, começamos por sua população, sua divisão em classes, sua repartição entre cidades e campo, na orla marítima; os diferentes ramos da produção, a exportação e a importação, a produção e o consumo anuais, os preços das mercadorias etc. Parece que o correto é começar pelo real e pelo concreto, que são a pressuposição prévia e efetiva; assim, em Economia, por exemplo, começar-se-ia pela população, que é a base e o sujeito do ato social de produção como um todo. No entanto, graças a uma observação mais atenta, tomamos conhecimento de que isso é falso. A população é uma abstração, se desprezarmos, por exemplo, as classes que a compõem. Por seu lado, essas classes são uma palavra vazia de sentido se ignorarmos os elementos em que repousam, por exemplo: o trabalho assalariado, o capital etc. Estes supõem a troca, a divisão do trabalho, os preços etc. O capital, por exemplo, sem o trabalho assalariado, sem o valor, sem o dinheiro, sem o preço etc., não é nada. Assim, se começássemos pela população, teríamos uma representação caótica do todo, e através de uma determinação mais precisa, através de uma análise, chegaríamos a conceitos cada vez mais simples; do concreto idealizado passaríamos a abstrações cada vez mais tênues até atingirmos determinações as mais simples. Chegados a esse ponto, teríamos que voltar a fazer a viagem de modo inverso, até dar de novo com a população, mas desta vez não com uma representação caótica de um todo, porém com uma rica totalidade de determinações e relações diversas. O primeiro constitui o caminho que foi historicamente seguido pela nascente economia. Os economistas do século XVII, por exemplo, começam sempre pelo todo vivo: a população, a nação, o Estado, vários Estados etc.; mas terminam sempre por descobrir, por meio da análise, certo número de relações gerais abstratas que são determinantes, tais como a divisão do trabalho, o dinheiro, o valor etc. Esses elementos isolados, uma vez mais ou menos fixados e abstraídos, dão origem aos sistemas econômicos, que se elevam do simples, tal como trabalho, divisão do trabalho, necessidade, valor de troca, até o Estado, a troca entre as nações e o mercado mundial. O último método é manifestamente o método cientificamente exato. O concreto é concreto porque é a síntese de muitas determinações, isto é, unidade do diverso. Por isso o concreto aparece no pensamento como o processo da síntese, como resultado, não como ponto de partida, ainda que seja o ponto de partida efetivo e, portanto, o ponto de partida também, da intuição e da representação. No primeiro método, a representação plena volatiliza-se em determinações abstratas, no segundo, as determinações abstratas conduzem à reprodução do concreto por meio do pensamento. Por isso é que Hegel caiu na ilusão de conceber o real como resultado do pensamento que se sintetiza em si, se aprofunda em si, e se move por si mesmo; enquanto o método que consiste em elevar-se do abstrato ao concreto não é senão a maneira de proceder do pensamento para se apropriar do concreto, para reproduzi-lo como concreto pensado. Mas este não é de modo nenhum o processo da gênese do próprio concreto. A mais simples categoria econômica, suponhamos, por exemplo, o valor de troca, pressupõe a população, uma população produzindo em determinadas condições e também certos tipos de famílias, de comunidades ou Estados. O valor de troca nunca poderia existir de outro modo senão como relação unilateral, abstrata de um todo vivo e concreto já dado.

Como categoria, ao contrário, o valor de troca leva consigo um modo de ser antediluviano. Para a consciência – e a consciência filosófica é determinada de tal modo que, para ela, o pensamento que concebe é o homem efetivo, e o mundo concebido é como tal o único efetivo. Para a consciência, pois, o movimento das categorias aparece como o ato de produção efetivo – que recebe infelizmente apenas um impulso do exterior -, cujo resultado é o mundo, e isso é certo (aqui temos de novo uma tautologia) na medida em que a totalidade concreta, como totalidade de pensamentos, como um concreto de pensamentos, é de fato um produto do pensar, do conceber; não é de modo nenhum o produto do conceito que pensa separado e acima da intuição e da representação, e que se engendra a si mesmo, mas da elaboração da intuição e da representação em conceitos. O todo, tal como aparece no cérebro, como um todo de pensamento, é um produto do cérebro pensante que se apropria do mundo do único modo que lhe é possível, modo que difere do modo artístico, religioso e prático-mental de se apropriar dele. O sujeito real permanece subsistindo, agora como antes, em sua autonomia fora do cérebro, isto é, na medida em que o cérebro não se comporta senão especulativamente, teoricamente. Por isso também, no método teórico [da economia política}, o sujeito – a sociedade – deve figurar sempre na representação como pressuposição.

No entanto, esses categorias simples não possuem também uma existência independente histórica ou natural anterior às categorias mais concretas? Ça déprend (Depende). Hegel, por exemplo, começa corretamente sua Filosofia do Direito com a posse como a mais simples relação jurídica do sujeito. Todavia, não existe posse anterior à família e às relações de senhor e servo, que são relações muito mais concretas ainda. Ao contrário, seria justo dizer que existem famílias, tribos, que se limitam a possuir, mas não têm propriedade. A categoria mais simples aparece, pois, como relação de comunidades mais simples de famílias ou tribos, em comparação com a propriedade. Na sociedade mais desenvolvida aparece como a relação mais simples de um organismo mais desenvolvido, mas é sempre pressuposto o substrato mais concreto, cuja relação é posse. Pode-se imaginar um selvagem isolado possuindo coisas. Mas nesse caso a posse não é uma relação jurídica.

Não é correto que a posse evolui historicamente até a família. A posse sempre pressupõe essa “categoria jurídica mais concreta”. Entretanto, restaria sempre o seguinte: as categorias simples são a expressão de relações nas quais o concreto pouco desenvolvido pode ter se realizado sem haver estabelecido ainda a relação ou o relacionamento mais complexo, que se acha expresso mentalmente na categoria mais concreta, enquanto o concreto mais desenvolvido conserva a mesma categoria como uma relação subordinada. O dinheiro pode existir, e existiu historicamente, antes que existisse o capital, antes que existissem os Bancos, antes que existisse o trabalho assalariado. Desse ponto de vista, pode-se dizer que a categoria mais simples pode exprimir relações dominantes de um todo menos desenvolvido, ou relações subordinadas de um todo mais desenvolvido, relações que já existiam antes que o todo tivesses se desenvolvido, no sentido que se expressa em uma categoria mais concreta. Nessa medida, o curso do pensamento abstrato que se eleva do mais simples ao complexo corresponde ao processo histórico efetivo.

De outro lado, pode-se dizer que há formas de sociedades muito desenvolvidas, embora historicamente não tenham atingido ainda sua maturidade, nas quais se encontram as formas mais elevadas da Economia, tais como a cooperação, uma divisão do trabalho desenvolvida, sem que exista nelas o dinheiro; o Peru é um exemplo. Também nas comunidades eslavas, o dinheiro e a troca, que o condiciona, desempenham um papel insignificante ou nulo, mas aparecem em suas fronteiras, nas suas relações com as outras comunidades. É, pois, um erro situar o intercâmbio no interior das comunidades como elemento que as constitui originariamente. A princípio surge antes nas relações recíprocas entre as distintas comunidades, que nas relações entre os membros de uma mesma e única comunidade.

Além disso, embora o dinheiro tenha, muito cedo e por toda parte, desempenhado um papel, não assume papel de elemento dominante na Antigüidade, senão de modo unilateral e em determinadas nações – as nações comerciais. E mesmo na Antigüidade mais culta, entre os gregos e os romanos, não atinge seu completo desenvolvimento, que se pressupõe existir na moderna sociedade burguesa, a não ser no período de sua dissolução. Essa categoria, que é no entanto bem simples, só aparece portanto historicamente com todo o seu vigor nos Estados mais desenvolvidos da sociedade. E o dinheiro não entrava de modo nenhum em todas as relações econômicas; assim, no Império Romano, na época de seu perfeito desenvolvimento, permaneceram como fundamentais o imposto e as entregas em produtos. O sistema do dinheiro, propriamente dito, encontrava-se completamente desenvolvido apenas no exército, e jamais atingiu a totalidade do trabalho. De modo que, embora a categoria mais simples possa ter existido historicamente antes da mais concreta, pode precisamente pertencer em seu pleno desenvolvimento, intensivo e extensivo, a formas complexas de sociedade, enquanto a categoria mais concreta já se achava plenamente desenvolvida em uma forma de sociedade menos avançada.

O trabalho parece ser uma categoria muito simples. E também a representação do trabalho nesse sentido geral – como trabalho em geral – é muito antiga. Entretanto, concebido economicamente nessa simplicidade, o “trabalho” é uma categoria tão moderna como o são as relações que engendram essa abstração. Por exemplo, o sistema monetário situa a riqueza de forma ainda mais objetiva, como coisa exterior a si, no dinheiro. Desse ponto de vista, houve um grande progresso quando o sistema manufatureiro ou comercial colocou a fonte da riqueza não nesse objeto, mas na atividade subjetiva – no trabalho comercial e manufatureiro. Contudo concebia apenas essa atividade, limitadamente, como produto de dinheiro. Em face desse sistema, o sistema dos fisiocratas admite uma forma determinada de trabalho – a agricultura – como criadora de riqueza, e admite o próprio objeto não sob a forma dissimulada do dinheiro, mas como produto em geral, como resultado geral do trabalho. Esse produto, em virtude do caráter limitado da atividade, continua a ser ainda um produto determinado pela natureza, produto da agricultura, o produto da terra par excellence ( por excelência).

Um enorme progresso se deve a Adam Smith, que rejeitou toda determinação particular da atividade criadora de riqueza, considerando apenas o trabalho puro e simples, isto é, nem o trabalho industrial, nem o trabalho comercial, nem o trabalho agrícola, mas todas essas formas de trabalho. Com a generalidade abstrata da atividade criadora de riqueza, igualmente se manifesta então a generalidade do objeto determinador da riqueza, o produto em absoluto, ou ainda, o trabalho em geral, mas enquanto trabalho passado, trabalho objetivado. A dificuldade e importância dessa transição provam o fato de que o próprio Adam Smith torna a cair de quando em quando no sistema fisiocrático. Poderia parecer agora que, desse modo, se teria encontrado unicamente a relação abstrata mais simples e mais antiga em que entram os homens em qualquer forma de sociedade – enquanto são produtores. Isso é certo em um sentido. Mas não em outro.

A indiferença em relação ao gênero de trabalho determinado pressupõe uma totalidade muito desenvolvida de gênero de trabalho efetivos, nenhum dos quais domina os demais. Tampouco se produzem as abstrações mais gerais senão onde existe o desenvolvimento concreto mais rico, onde um aparece como comum a muitos, comum a todos. Então já não pode ser pensado somente sob uma forma particular. Por outro lado, essa abstração do trabalho em geral não é apenas o resultado intelectual de uma totalidade concreta de trabalhos. A indiferença em relação ao trabalho determinado corresponde a uma forma de sociedade na qual os indivíduos podem passar com facilidade de um trabalho a outro e na qual o gênero determinado de trabalho é fortuito, e, portanto, é-lhes indiferente. Nesse caso o trabalho se converteu não só como categoria, mas na efetividade em um meio de produzir riqueza em geral, deixando, como determinação, de se confundir com o indivíduo em sua particularidade. Esse estado de coisas se encontra mais desenvolvido na forma de existência mais moderna da sociedade burguesa – nos Estados Unidos. Aí, pois, a abstração da categoria “trabalho”, “trabalho em geral”, trabalho sans phrase (sem rodeios), ponto de partida da Economia moderna, torna-se pela primeira vez praticamente verdadeira. Assim, a abstração mais simples, que a Economia moderna situa em primeiro lugar e que exprime uma relação muito antiga e válida para todas as formas de sociedade, só aparece no entanto nessa abstração praticamente verdadeira como categoria da sociedade mais moderna. Poder-se-ia dizer que essa indiferença em relação a uma forma determinada de trabalho, que se apresenta nos Estados Unidos como produto histórico, se manifesta na Rússia, por exemplo, como uma disposição natural. Mas, por um lado, que diferença danada entre bárbaros que têm uma tendência natural para se deixar empregar em todos os trabalhos, e os civilizados que se empregam a si próprios. E, por outro lado, a essa indiferença para um trabalho determinado corresponde, na prática, entre os russos, a sua sujeição tradicional a um trabalho bem determinado, do qual só influências exteriores podem arrancá-los.

Esse exemplo mostra de maneira muito clara como até as categorias mais abstratas – precisamente por causa de sua natureza abstrata – , apesar de sua validade para todas as épocas, são, contudo, na determinidade dessa abstração, igualmente produto de condições históricas, e não possuem plena validez senão para essas condições e dentro dos limites destas.

A sociedade burguesa é a organização histórica mais desenvolvida, mais diferenciada da produção. As categorias que exprimem suas relações, a compreensão de sua própria articulação, permitem penetrar na articulação e nas relações de produção de todas as formas de sociedade desaparecidas, sobre cujas ruínas e elementos se acha edificada, e cujos vestígios, não ultrapassados ainda, leva de arrastão desenvolvendo tudo que fora antes apenas indicado que toma assim toda a sua significação etc. A anatomia do homem é a chave da anatomia do macaco. O que nas espécies animais inferiores indica uma forma superior não pode, ao contrário, ser compreendido senão quando se conhece a forma superior. A Economia burguesa fornece a chave da Economia da Antigüidade etc. Porém, não conforme o método dos economistas que fazem desaparecer todas as diferenças históricas e vêem a forma burguesa em todas as formas de sociedade. Pode-se compreender o tributo, o dízimo, quando se compreende a renda da terra. Mas não se deve identificá-los.

Como, além disso, a própria sociedade burguesa é apenas uma forma opositiva do desenvolvimento, certas relações pertencentes a formas anteriores nela só poderão ser novamente encontradas quando completamente atrofiadas, ou mesmo disfarçadas; por exemplo, a propriedade comunal. Se é certo, portanto, que as categorias da Economia burguesa possuem [o caráter de] verdade para todas as demais formas de sociedade, não se deve tornar isso senão cum grano salis.[1] Podem ser desenvolvidas, atrofiadas, caricaturadas, mas sempre essencialmente distintas. O chamado desenvolvimento histórico repousa em geral sobre o fato de a última forma considerar as formas passadas como etapas que levam a seu próprio grau de desenvolvimento, e dado que ela raramente é capaz de fazer a sua própria crítica, e isso em condições bem determinadas – concebe-os sempre sob um aspecto unilateral. A religião cristã só pôde ajudar a compreender objetivamente as mitologias anteriores depois de ter feito, até certo grau, por assim dizer dynamei, a sua própria crítica. Igualmente, a Economia burguesa só conseguiu compreender as sociedades feudal, antiga, oriental, quando começou a autocrítica da sociedade burguesa. Na medida em que a Economia burguesa, criando uma nova mitologia, não se identificou pura e simplesmente com o passado, a crítica que fez às sociedades anteriores, em particular, à sociedade feudal, contra a qual tinha ainda que lutar diretamente, assemelhou-se à crítica do paganismo feita pelo cristianismo, ou à do catolicismo feita pela religião protestante.

Do mesmo modo que em toda ciência histórica e social em geral é preciso ter sempre em conta, a propósito do curso das categorias econômicas, que o sujeito, nesse caso, a sociedade burguesa moderna, está dado tanto na realidade efetiva como no cérebro; que as categorias exprimem portanto formas de modos de ser, determinações de existência, freqüentemente aspectos isolados dessa sociedade determinada, desse sujeito, e que, por conseguinte, essa sociedade de maneira nenhuma se inicia, inclusive do ponto de vista científico, somente a partir do momento em que se trata dela como tal. Isso deve ser fixado porque dá imediatamente uma direção decisiva às seções que precisam ser estabelecidas. Nada parece mais natural, por exemplo, do que começar pela renda da terra, pela propriedade fundiária, dado que está ligada à terra, fonte de toda a produção e de todo modo de ser, e por ela ligada à primeira forma de produção de qualquer sociedade que atingiu um certo grau de estabilidade – à agricultura. Ora, nada seria mais errado. Em todas as formas de sociedade se encontra uma produção determinada, superior a todas as demais, e cuja situação aponta sua posição e influência sobre as outras. É uma luz universal de que se embebem todas as cores, e que as modifica em sua particularidade. É um éter especial, que determina o peso específico de todas as coisas emprestando relevo a seu modo de ser.

Consideremos, por exemplo, os povos pastores (os simples povos caçadores ou pescadores não chegaram ao ponto em que começa o verdadeiro desenvolvimento). Neles existe certa forma esporádica de lavoura. A propriedade de terra encontra-se determinada por ela. Essa propriedade é comum e conserva mais ou menos essa forma, conforme aqueles povos se aferrem mais ou menos a suas tradições; por exemplo, a propriedade comunal dos eslavos. Onde predomina a agricultura, praticada por povos estabelecidos – e isso já constituiu um grande progresso –, como na sociedade antiga e feudal, mesmo a indústria, com sua organização e formas da propriedade que lhe correspondem, tem em maior ou menor medida um caráter específico de propriedade rural. A [sociedade] ou bem está marcada inteiramente por esse caráter, como entre os antigos romanos, ou a organização da cidade imita, como na Idade Média, a organização do campo. O próprio capital – enquanto não seja simples capital-dinheiro – possui na Idade Média, como instrumento tradicional, por exemplo, esse caráter de propriedade fundiária.

Na sociedade burguesa acontece o contrário. A agricultura transforma-se mais e mais em simples ramos da indústria e é dominada completamente pelo capital. A mesma coisa ocorre com a renda da terra. Em todas as formas em que domina a propriedade fundiária, a relação com a natureza é ainda preponderante. Naquelas em que domina o capital, o que prevalece é o elemento produzido social e historicamente. Não se compreende a renda da terra sem o capital, entretanto compreende-se o capital sem a renda da terra. O capital é a potência econômica da sociedade burguesa, que domina tudo. Deve constituir o ponto inicial e o ponto final e ser desenvolvido antes da propriedade da terra. Depois de considerar particularmente um e outro deve-se estudar sua relação recíproca.

Seria, pois, impraticável e errôneo colocar as categorias econômicas na ordem segundo a qual tiveram historicamente uma ação determinante. A ordem em que se sucedem se acha determinada, ao contrário, pelo relacionamento que têm umas com as outras na sociedade burguesa moderna, e que é precisamente o inverso do que parece ser uma relação natural, ou do que corresponde à série do desenvolvimento histórico. Não se trata da relação que as relações econômicas assumem historicamente na sucessão das diferentes formas da sociedade. Muito menos sua ordem de sucessão “na idéia” (Proudhon) (representação nebulosa do movimento histórico). Trata-se da sua hierarquia no interior da moderna sociedade burguesa.

A pureza (determinidade abstrata) com que aparecem no mundo antigo os povos comerciantes – fenícios, cartagineses – é dada pela própria predominância dos povos agricultores. O capital, enquanto capital comercial ou capital de dinheiro, aparece precisamente sob essa forma abstrata sempre que o capital não é ainda o elemento dominante das sociedades. Lombardos e judeus ocupam a mesma situação diante das sociedades medievais que praticam a agricultura.

Outro exemplo de situação diferente ocupada por essas mesmas categorias em diferentes estádios da sociedade: uma das últimas formas da sociedade burguesa são as joint-stock-companies (sociedades por ações). Mas aparecem também no princípio da sociedade burguesa nas grandes companhias privilegiadas de comércio, que gozavam de um monopólio.

O próprio conceito de riqueza nacional se insinua entre os economistas do século XVII – a representação subsiste ainda em parte nos do século XVIII – desta forma: a riqueza é criada unicamente para o Estado, e o poder deste mede-se por essa riqueza. Esta era a forma ainda insconscientemente hipócrita em que a riqueza anuncia sua própria produção com a finalidade dos Estados modernos, tidos a partir de então unicamente como meio para a produção da riqueza.

As seções a adotar devem evidentemente ser as seguintes: 1 – as determinações abstratas gerais, que convêm portanto mais ou menos a todas as formas de sociedade, mas consideradas no sentido acima discutido; 2 – as categorias que constituem a articulação interna da sociedade burguesa e sobre as quais assentam as classes fundamentais. Capital, trabalho assalariado, propriedade fundiária. Os seus relacionamentos recíprocos. Cidade e campo. As três grandes classes sociais. A troca entre estas. A circulação. O sistema de crédito (privado); 3 – síntese da sociedade burguesa na forma do Estado. Considerado no seu relacionamento consigo próprio. As classes “improdutivas”. Os impostos. A dívida pública. O crédito público. A população. As colônias. A imigração; 4 – relações internacionais de produção. A divisão internacional do trabalho. A troca internacional. A exportação e a importação. A cotação do câmbio; 5 – o mercado mundial e as crises.





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[1] Cum grano salis (com um grão de sal). Tradução da edição de Marx-Engels Werke: “em sentido bem determinado”. (n. do T.)

FONTE:http://www.blogger.com/post-create.g?blogID=85988442335066501, acessado em 8/03/2010, às 11:35h